A Figura do Colaborador Terrorista na Legislação Brasileira​

No inicio de 2016, entrou em vigor a lei 13.260/2016, criando no ordenamento brasileiro a tipificação dos delitos de terrorismo. A presente Lei propõe uma resposta estatal severa a esta categoria de delitos, pese o Brasil não tenha nenhuma tradição em delitos de terrorismo.[1]  Dentre os fundamentos para a referida Lei, temos a disposição Constitucional prevista no art. 5º, inciso XLIII.

Um dos tipos existentes na referida Lei, é aquele que constitui o objeto de estudo deste trabalho, é dizer: a colaboração ao terrorismo. Esta se apresenta no artigo 3º da lei, o qual trata sobre o prestar auxílio a uma organização terrorista.

A conduta de prestar auxílio – colaborar – [2] com o terrorismo consiste em prestar apoio a uma organização terrorista, podendo ser realizadas de diferentes formas e condutas, como, por exemplo, conceder alojamento a um terrorista, oferecer comida, dar um espaço para desempenho das atividades, etc.

O interessante é que o tipo penal disposto no artigo 3º diferencia entre a conduta de integrar a organização terrorista e colaborar com a organização terrorista. Justamente por isso, o prestador de auxílio não pode integrar a organização, porque sua conduta passa a ser abarcada pelo integrar.

Portanto, a diferença entre o colaborar/prestar auxílio e o integrar se estabelece pela estabilidade que o membro apresenta dentro da organização, em outras palavras, é estabelecer se a ajuda ocorre de forma permanente ou ocasional. [3] Em uma delas – integrar – o sujeito ativo realiza atividades de forma permanente, enquanto na outra – colaborar – participações pontuais. Entretanto, como todos os delitos que exigem certa habitualidade, é difícil determinar quando passa a ser permanente, ou seja, quantos atos de colaboração são necessários para que se considere integrante? O legislador não deixou estabelecido qual exatamente seria o limite entre ambas as condutas e, quais os critérios para diferenciar ambas. E, ainda, equivocadamente, optou por impor exatamente a mesma pena a ambas condutas.

Ao imputar com a mesma pena condutas que que possuem, a nosso ver, diferente desvalor de ação o legislador atua em grave discordância com o principio da proporcionalidade. É dizer, é evidente que as condutas de quem presta algum tipo de auxílio esporádico, é diferente daquela da pessoa que promove o terrorismo e realiza doutrinação habitualmente.

Outra questão problemática quando se trata da colaboração aos delitos de terrorismo é que ao se criminalizar condutas como integrar, ou o mero colaborar, não existe lesão, tampouco posta em perigo, de um bem jurídico penal. Sendo assim, admitiremos – de novo! – em nosso ordenamento jurídico figuras que adiantam as barreiras de punição penal, ocorrendo a inaceitável transformação de atos preparatórios, que eventualmente poderiam ser puníveis, ou ainda formas de participação que talvez nem cheguem a contribuir para a organização, em delitos autônomos.

Em um primeiro momento o direito penal se ocupava com a punição de delitos de terrorismo devido a seu especial fim de agir, depois passou a punir a conduta de integrar a organização terrorista e, neste ponto, passa punir aquele que contribui ou presta auxilio de maneira genérica — não exigindo o tipo que exista um resultado frutífero com a colaboração — , criminalizando meros atos preparatorios como condutas autônomas[4].

A presente tendência legislativa preventiva que se apresenta quando se trata da luta contra o terrorismo e a – preocupante – transformação de atos preparatórios em condutas autônomas nos trazem dúvidas que realmente ese tipo de política criminal seja efetiva na prevenção dos delitos de terrorismo. Por isso, desde essa perspectiva, temos que (re)pensar se o direito penal realmente é a melhor maneira na repressão e contenção do terrorismo. Bem como se a ampliação da tutela penal e o aumento do poder punitivo estatal é a melhor maneira de um Estado Democrático de Direito atuar frente ao terrorismo.

Referências

CANCIO MELIÁ, Los delitos de terrorismo, Madrid, Reus, 2010.

CARBONELL Islamismo yihadista: radicalización y contraradicalización. Valencia, Tirant lo Blanch, 2015.

NUÑEZ CASTAÑO, Elena. Valencia, Tirant lo Blanch, 2013.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal. Parte Especial. Valencia, Tirant lo Blanch, 2015.

[1] Este tipo de política criminal frente ao terrorismo pode ser observada nos mais diversos países do mundo, como, por exemplo, na União Européia, neste sentido CARBONELL ”ya en 2005, y apremiados en gran medida por el asesinato del cineasta holandés Theo Van Gogh (noviembre de 2014), los atentados de Londres (julio 2005) y el hecho que en los casos mencionados varios de los terroristas eran ciudadanos europeos que habían sido radicalizados dentro de la Unión Europea, la UE presentó la Estrategia de Lucha contra el Terrorismo, documento que fijaba las bases regulatorias y los objetivos a cumplir en materia de lucha contra el terrorismo y que ya apuntaba – de forma especifica- medidas más concretas y lineas de actuación. A pesar de haber sido sujeto de varias revisiones, actualmente ese documento sigue siendo cargado de establecer la estrategia europea. El documento se articula en base a Cuatro grandes ejes de acción que cubren todas las problemáticas a las que la Unión Europea estipula hacer frente en relación a esa materia: prevenir, proteger, perseguir y responder”. In: Islamismo yihadista: radicalización y contraradicalización. Valencia, Tirant lo Blanch, 2015. p. 216.

[2] Os atos de colaboração são exemplificados por MUÑOZ CONDE, Francisco: “aquellas actividades que son consideradas como actos de colaboración, mencionando en particular «la información o vigilancia de personas, bienes o instalaciones, la construcción, acondicionamiento, cesión o utilización de alojamientos o depósitos, la ocultación, acogimiento o traslado de personas, la organización de prácticas de entrenamiento o la asistencia a ellas, la prestación de servicios tecnológicos, y cualquier otra forma equivalente de cooperación o ayuda a las actividades de las organizaciones o grupos terroristas, grupos o personas a que se refiere el párrafo anterior». De este modo se miden por el mismo rasero conductas de distinta gravedad como entrenar militarmente a un grupo terrorista o alojar a uno de sus integrantes, o simplemente actos de la vida cotidiana. Direito Penal. Parte Especial. Valencia, Tirant lo Blanch, 2015. p. 762.

[3] Neste sentido assinala CANCIO MELIÁ, Manuel: en términos abstractos, el compromiso del miembro con la organización lo convierte en un elemento funcional intercambiable de la misma: puede ser trasladado de función y de ubicación, el integrante es carne de la organización y participa de modo especialmente intenso, como autor del injusto colectivo que expresa la organización típica. El colaborador, en cambio, interviene con aportaciones puntuales a la actividad de la organización”. CANCIO MELIÁ, Los delitos de terrorismo, cit., p. 240

[4] Neste sentido se pronuncia NUÑEZ CASTAÑO, Elena: el precepto que estamos analizando implica un relevante adelantamiento de las barreras de punición, que comporta que no se exija lesión, ni puesta en peligro concreto de un bien jurídico, y conlleva una simpliicación de la tarea probatoria de la imputación328, esto es, la conversión de los actos preparatorios o de formas de participación más o menos necesarias, en delito autónomo. Los delitos de colaboración con organización y grupos terroristas. Valencia, Tirant lo Blanch, 2013. pg. 138. Este é o entendimento também de MUÑOZ CONDE, Francisco: pero no se puede caer en la ambigüedad y en la vaguedad en la descripción de los tipos delictivos o incluir en ellos conductas muy alejadas de una verdadera puesta en peligro de bienes jurídicos concretos o difícilmente delimitables de otras perfectamente lícitas. Direito Penal. Parte Especial. Valencia, Tirant lo Blanch, 2015. p. 754.

Artigo publicado em: http://www.iadcrim.com.br/testimonials/a-figura-do-colaborador-terrorista-na-legislacao-brasileira%E2%80%8B/